quinta-feira, junho 15, 2006

Lituania, Polonia e Republica Checa - 07 a 15 de Abril 2006

Fiz as malas para uma viagem fora do comum... Não é frequente encontrar itinerários com uma combinação de países como esta: Lituânia, Polónia e Republica Checa.

A lógica do circuito até que é relativamente simples, com uma orientação norte/sul, do Báltico para a Europa central. Uma agradável mistura de culturas, distintas, mas extremamente interessante.

A passagem pela Lituânia (o maior dos três países bálticos) foi relativamente curta, mas suficiente para conhecer a pitoresca e boémia cidade de Vilnius e a glamourosa povoação de Trakai.

A sua capital tem um ambiente e estrutura urbana muito semelhante a Lubliana, ainda que na capital eslovena o rio atravesse a cidade e o seu centro histórico, ao passo que Vilnius fica limitada a Norte e a Oeste pela confluência dos rios Neris e Vilnia.

No seu centro histórico, classificado pela UNESCO como Património da Humanidade, em 1994, são inúmeras as igrejas que podemos encontrar, ora enquadradas na arquitectura urbana da cidade, ora com a exuberância de um espaço próprio à escala de um monumento público. Vilnius é de resto um ponto encontro de religiões, ali representadas com os seus templos católicos, ortodoxos, judaicos...

O maior de todos é a catedral com o seu campanário, no sopé da colina que sustenta o castelo sobranceiro à cidade, donde se tem uma bela vista e uma noção perfeita da evolução estrutural da cidade.

Nesta altura do ano, os parques da cidade, zonas relvadas e arborizadas, recuperam ainda do Inverno rigoroso, apresentando uma folhagem queimada do frio e da neve. Ainda assim, é imediata a assunção de que abundam um pouco por toda a cidade, antevendo-se uma primavera florescente e bem colorida.

Vilnius é uma cidade que dispensa bem os carros e nos convida a efectuar simpáticos pesseios a pé ou de bicicleta pelas suas ruas estreitas e sinuosas, interrompidas por palácios e avenidas mais largas, como que a pautarem o nosso descanso.

A vida noctuna é jovem, movimentada e atractiva, embora precoce... à semelhaça da maioria das ciadades do centro e norte da Europa. Pela hora do jantar «latino», já os Eslovenos frequentam bares e discotecas...

A Lituânia é aliás um país com uma população bastante jovem, em particular nas cidades.

A poucos kms de Vilnius situa-se a pequena vila de Trakai, cuja notoriedade se deve à harmoniosa fortaleza que lhe fica ao largo, no meio do lago, apenas ligada a terra firme por uma estreita ponte de madeira. No Inverno, o lago gela por completo, conferindo-lhe um encanto ainda mais peculiar.

Os restaurantes são tão cosies quanto a pitoresca vila e as suas esplanadas convidam a um tranquilo contemplar sobre o lago e fortaleza, que mais parecem ter sido feitos um para o outro.



Da Lituânia sigo para a Polónia, num voo directo entre as duas capitais. A primeira impressão, para quem chega ao aeroporto e se dirige para o centro de Varsóvia, é de uma cidade espartana nos seus arredores, ainda no recobro dos efeitos secundários da II Grande Guerra e da Guerra Fria, como atestam a sobriedade dos edifícios e a estrutura urbana.

A verdade é que a dimensão da cidade, o seu património cultural e social encontram-se bem vivos, particularmente interessantes à medida que irrompemos por Varsóvia.

Trata-se de uma cidade extremamente rica, com áreas muito bem definidas, assentes em alguns eixos e avenidas principais, que se cruzam e retalham a cidade de forma ortogonal, criando espaços com identidade própria: o Parque de Belvedere; a Estação Central e o Palácio da Cultura; a zona das embaixadas; o bairro judeu (antigo ghetto de Varsóvia) e Mariensztat, atravessada pela «krakowskie przedmiescie», que concentra grande parte do comércio e edifícios públicos; o bairro histórico de Stare Miasto; ou Praga, um bairro pobre socialmente distante da restante cidade, na margem esquerda do Rio Wisla, onde ainda hoje encontramos estilhaços nos edifícios, bombardeados na II Grande Guerra.

O Parque Belvedere, de influências diversas (francesa, inglesa e da Europa central), convida-nos a um passeio deambulante, entre o espaço dedicado a Chopin, onde decorrem regularmente concertos de música clássica ao ar livre, por alturas do Verão; os vários pavilhões de contemplação; o palácio barroco, mandado edificar pelo Rei Stanisław August; entre muitos outros edifícios em estilo neoclássico, onde residiram e foram recebidas diversas figuras de estado. Um dos seus últimos ocupantes foi Lech Walesa, que ali permaneceu entre 1989 e 1994.

O Palácio da Cultura e da Ciência, próximo da Estação Central de Varsóvia, é o maior edifício da Polónia, ao mais puro estilo da arquitectura soviética, muito à imagem dos edifícios de Estaline, não fosse ele mentor do projecto. Aliás, chegou mesmo a chamar-se Palácio da Cultura e da Ciência Josef Estaline, durante o seu regime.

A poucos metros de distância ergue-se hoje um belo edifício contemporâneo, vistoso pelas suas linhas vanguardistas.

Do Bairro Judeu já pouco resta para além de dois marcos e da memória colectiva do mundo, que guarda ainda em reminiscência as atrocidades ocorridas no tristemente famoso ghetto de Varsóvia.

Ali viviam milhares de judeus em condições miseráveis à chuva e ao frio, ao sol e calor, onde o acesso restrito a Varsóvia só era contornado por secretos túneis subterrâneos, que permitiam a passagem de alimentos para o seu interior.

Milhares foram encaminhados do ghetto para campos de concentração como o de Auschwitz, em comboios de esperança, transformada em lágrimas...



Em Mariensztat encontramos as principais lojas de marca e serviços. É o coração comercial da cidade, com um constante movimento de matriz ocidental. As ruas são rectilíneas e a arquitectura dos edifícios públicos (ex. universidade) muito interessante e convidativa a um olhar mais atento.

Mariensztat desemboca em Stare Miasto, o bairro histórico da cidade e porventura o mais pitoresco, com um encanto muito especial, pelo castelo, pela praça velha, pelas ruas de casas pintadas e brasonadas, pelas igrejas e palácios, pela História...



Stare Miastro viveu a guerra rua a rua, casa a casa, parede a parede, igreja a igreja... Ainda hoje encontramos vestígios desses tempos difíceis que arruinaram centenas de edifícios, como é o caso da igreja católica, onde se encontra o que resta de um crucifixo gigante, mutilado pelos danos colaterais.

As esplanadas enchem-se de gente, com frio ou calor, os restaurantes (muito agradáveis por sinal) sucedem-se e os cafés aproveitam da melhor forma o turismo da cidade.

Do outro lado do Rio Wilsa encontra-se Praga, nada turística, em tudo residencial e social. As brechas nas paredes causadas pelos efeitos directos e indirectos da Grande Guerra estão bem visível aos olhos de quem passa. Um mundo à parte da restante cidade de Varsóvia... mais escuro, mais sombrio, mais esquecido...

A pouco menos de uma hora de distância, talvez não mais de 30/40 minutos, encontra-se o Palácio de Wilanow, um elegante edifício barroco, envolvido por jardins sóbrios mas vistosos. Inserida num complexo encontra-se uma igreja mariana, frequentada por João Paulo II, que divide timidamente o interesse com o palácio.



O interior é rico essencialmente em pintura, tapeçaria e mobiliário, hoje espólio do museu do Palácio de Wilanow.

Traçando uma diagonal de Nordeste para Sudoeste, tomamos o rumo de Czestochowa, local de culto e sede de um dos santuários marianos mais importantes de todo o mundo, intimamente ligado à história de João Paulo II. Uma paragem obrigatória na rota e rumo a Cracóvia, para marianos, católicos, cristãos, crentes ou agnósticos.



Trata-se de um conjunto arquitectónico bastante compacto, dominado por uma imensa torre sineira, visível a vários kms de distância. A riqueza do trabalho exterior combina com a exuberância e interesse do interior. O museu é naturalmente exuberante, a capela-mor de inegável interesse, as naves e sacristia igualmente. Contudo, foi uma das salas que mais despertou o meu interesse. Aqui encontrei um conjunto de pintura representativas do percurso da vida de Jesus Cristo deveras superior.

Uma nova diagonal em sentido inverso, de noroeste para sudeste, e seguimos na direcção Cracóvia, com uma inevitável paragem em Auschwitz.

«Arbeit macht frei» (o trabalho dá liberdade)... pode ler-se à entrada. Tão cruel e sarcástico quanto cínico e sinistro.


Arame farpado define geometricamente os espaços, linhas de caminho de ferro contam histórias de milhares que ali passaram, entre a vida e a morte, entre o Ghetto de Varsóvia e tantos outros semelhantes; e os dormitórios, câmaras de gás e fornalhas do campo de concentração.

Deportados de toda a Europa, famílias integralmente separadas, chegavam aos milhares à estação férrea de Auschwitz, com a esperança de uma vida melhor, diferente da repressão, escassez alimentar e sanitária donde eram reprimidos. Em busca de uma vida melhor, atravessavam os portões de Auschwitz, em busca de liberdade, em troca por trabalho...

Minutos depois eram uma vez mais separados, mulheres, homens e crianças... torturados até à morte em câmaras de gás gigantescas, por longas horas que com os anos e especialização se tornaram em escassos minutos.... até à morte.

Os utensílios eram cuidadosamente compartimentados: roupa, óculos, sapatos, próteses... e reaproveitados para comércio ou simples utilização na guerra.

Os cabelos recém cortados eram transformados em tapetes e vendidos em feiras...

Os rostos de hoje gelam, as memórias lidas ou vividas fervilham... É incrível como tudo é tão mais intenso presencialmente.

Auschwitz é hoje mais que um enorme espaço sombrio, rectilíneo, repleto de dormitórios que se sucedem de forma paralela, divididos por cidadania e identidade; Auschwitz é a memória perpétua obrigatória, que exige não deixar cair em esquecimento os erros irreparáveis do passado recente, para que não se repita... «quem se esquece do seu passado, está condenado a repeti-lo», pode ler-se num dos dormitórios do campo, hoje museu vivo do holocausto.