sábado, março 11, 2006

Brasil, Porto Seguro - 11 a 19 de Fevereiro 2006

«[...] até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, foram 21 dias de Abril [...]; Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz! [...]» (In Carta do Achamento do Brasil, Pêro Vaz de Caminha).

Assim chegou Pedro Álvares Cabral pela primeira vez ao Brasil, à baía de Porto Seguro... Já a minha viagem foi bem mais confortável, em avião directo a Porto Seguro desde Lisboa, em pouco mais de 8 horas... Ali aterrei pela quinta vez.

Devo confessar que não sou um aficionado das praias do Brasil (país que admiro mais que tudo pelas suas maravilhas naturais do interior, como é o caso da Amazónia, do Pantanal ou das Cataratas na Foz do Iguaçú). Contudo, Porto Seguro tem qualquer coisa que me atrai e me faz voltar vezes sem conta; E dali parto sempre com a intenção de regressar.

A cidade de Porto Seguro fica no sul do estado da Bahia, envolvida pela Mata Atlântica e sobre o estuário do Rio Buranhém, ao abrigo da barreira de recifes.

Porto Seguro desenvolve-se em dois planos: a alta da cidade, onde se encontra o conjunto histórico classificado pela UNESCO e a baixa, zona comercial e residencial.

A cidade histórica alberga alguns dos edifícios mais antigos do legado arquitectónico português no Brasil, entre igrejas, edifícios militares e civis e o representativo padrão deixado por Cabral. A vista desde a cidade histórica sobre a costa é fantástica. Um corrupio de gente, capoeiristas, vendedores, residentes, negrinhos e turistas dão um colorido particular ao local, devidamente preservado e cuidado.



A cidade nova, de planta ortogonal, edifícios rasos ou de dois andares, ruas paralelas e perpendiculares, desenvolve-se a partir do cais das balsas por uma grande avenida marginal: a Av. de Portugal, também conhecida pela «Passarela do Álcool». É aqui que encontramos a maior parte das casas comerciais, bares, restaurantes, barracas de bebidas (entre as quais a famosa barraca da HELP, super decorada com uma imensa variedade de frutas), tendas de artesanato...

O comércio em Porto Seguro tem a particularidade de só abrir da parte da tarde e se prolongar pela noite dentro, até pelo menos à meia noite, contribuindo ainda mais para a animação e movimento nocturno da cidade.

Um dos maiores privilégios de Porto Seguro é a segurança e a descontracção que a cidade respira... e isso sente-se. O Brasil tem cidades lindíssimas como o Rio de Janeiro ou Salvador, mas aí seria impossível usufruir de 1/4 da liberdade que se tem nesta pequena cidade do sul da Bahia.

A Sudeste de Porto seguro, na margem direita do Buranhém, fica Arraial d'Ajuda. Inúmeras balsas (de peões, veículos e mistas) asseguram a ligação entre as duas margens na foz do rio. O movimento das embarcações é tanto mais curioso quando a maré está baixa e as bossas de areia ficam a descoberto, reduzindo de forma significativa o espaço de manobra dos barcos, em particular daqueles que pretendem zarpar para lá da barreira de recifes, no sentido do mar.



Arraial d'Ajuda fica a pouco mais de 4 km's de Porto Seguro, por uma estrada estreita, repleta de lombas e ladeada por belíssimas moradias, em particular no lado voltado ao mar (este).

A vila é encantadora. As casas são rasas ou de rés-do-chão e primeiro andar, pintadas de uma cor dominante e intensa, adjacentes umas às outras ao longo de uma rua principal de terreno irregular, que se inicia numa praça e termina no fundo de uma ladeira, que dá acesso às fantásticas praias da orla sul de Porto Seguro, como é o caso da Praia de Pitinga.



Arrial d'Ajuda é um autêntico cenário de novela, com igrejas pitorescas de frisos e rodapés pintados de amarelo vibrante, um pequeno cemitério, inúmeras casas comerciais, esplanadas e habitações permanentes e pequenas pousadas.

À imagem do comércio de Porto Seguro, também aqui só da parte da tarde começam a abrir as primeiras lojas e a serem montadas as bancas de artesanato, que ali ficam pela noite dentro.

Talvez pela fisiologia da vila, arquitectura de escala humanista e irregularidade do traçado, Arraial D'Ajuda acaba por ser um espaço mais acolhedor e intimista, com um ambiente mais jovem que Porto Seguro, também pela presença dos artistas e hippies, que ali se estabeleceram.



À noite, as ruas enchem-se de gente que povoam os bares, cafés e esplanadas ou animam os forrós, no pequeno anfiteatro do centro comercial. O Beco das Cores é dos mais procurados, mas a verdade seja dita, difícil é encontrar algum espaço sem clientes...

A Sul de Porto Seguro, a pouco mais de 1h de distância, fica a pitoresca vila de Trancoso, dominada pelo seu famoso «quadrado» (praça principal), que termina abruptamente numa arriba, que protege as belas praias da região. A vista sobre a costa é fantástica!



O «quadrado» é enorme um espaço aberto, relvado e necessariamente quadrangular... Ao centro, as crianças aproveitam bem o amplo espaço para jogar futebol; Espaço este que, em alturas de festa, enche-se de gente para dançar forró e axé.

Já bem próxima da arriba, uma pequena e graciosa capela caiada, antecipada por uma enorme cruz de madeira.



O quadrado está limitado a Norte e a Sul por inúmeros restaurantes surpreendentemente cosies, na sombra das gigantescas copas das árvores, e que nos convidam a sentar e desfrutar do seu conforto, e por lojas de decoração, com objectos de design e obras assinadas. A vila tem uma certa influência da pequena comunidade francesa que ali se instalou e isso nota-se bem nestes restaurantes e lojas...



A hora e meia de distância de Trancoso, no sentido sul, por uma imensa estrada de terra batida e curvas sinuosas, atravessando vales e serras, interrompidos por pastos e planaltos povoados por búfalos e cavalos, chegamos até uma das mais fantásticas praias que conheço no Brasil: a Praia do Espelho.

Esta sim é das tais praias que merecem uma visita ou, para os mais despojados do trivial e alheados do movimento e animação das vilas e cidades brasileiras, que aqui encontram o abrigo ideal para umas férias tranquilas e relaxantes.

O nome da praia diz quase tudo... a Natureza faz o resto...

A viagem até à Praia do Espelho pode ser feita de barco, ainda que para menos habituados às lides do mar, a travessia não seja tão agradável. A verdade é que a chegada de barco à baia oferece-nos uma vista que fica na retina de qualquer um. São ainda possíveis passeios a cavalo pela praia praticamente deserta, como se de um filme se tratasse.



Já na orla norte de Porto Seguro ficam outros locais que merecem bem uma visita, como é o caso da Reserva Natural da Jaqueira, a Coroa Vermelha ou os manguezais e a Coroa Alta.

A Reserva Natural da Jaqueira é dos pontos mais interessantes da região, pela simbiose entre a cultura e a natureza. Este local, preservado e conservado pelos índios da tribo Pataxó, mantém intacta a riqueza da mata atlântica e constitui ainda hoje abrigo de diversos índios, que ali têm as suas pequenas casas de colmo e adobe.

A tribo Pataxó é uma das mais relevantes colónias de índios do Brasil, tendo mantido a sua pureza e tradições até aos dias de hoje. A reserva é hoje uma forma de subsistência e divulgação da cultura Pataxó.

Os seus visitantes têm oportunidade de assistir e participar em rituais e danças tribais, assim como partilhar a sua gastronomia, hábitos e até efectuar uma agradável caminhada pela mata atlântica para observação da fauna e flora, em pleno equilíbrio com a tribo Pataxó.

É curioso verificar como os índios souberam ao longo dos anos tirar proveito da natureza em prole da medicina, como atestam os vários antídotos, pomadas (...), que utilizam como curativos.

Alguns kms mais a norte localiza-se a Coroa Vermelha, local onde Cabral terá rezado a primeira missa em Terras de Vera Cruz, devidamente assinalado por uma enorme cruz em madeira e mais recentemente por um monumento, inaugurado pelo ex-Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, quando da comemoração dos 500 anos do achamento do Brasil.

Na verdade o local pouco mais tem para oferecer, não contanto claro está com as inevitáveis tendas e barraquinhas de artesanato e bikinis.

Vale sem dúvida a pena fazer mais uns kms um pequeno estuário de água salobra, onde se formam pequenas praias fluviais, ao abrigo de coqueiros, donde partem os saveiros e pequenas embarcações rumo à Coroa Alta ou aos inúmeros canais que rompem pelos manguesais.



A Coroa Alta é uma pequena língua de areia deserta ao largo da orla, circunscrita por bancos de areia que emergem com a descida da maré, formando escaldantes piscinas de água salgada, cujas águas que chegam a atingir perto 40 graus nas bossas menos fundas.

Em dias de céu limpo, o sol é escaldante e pouco aguentarão ficar ali por muito tempo, dada a total ausência de qualquer tipo vegetação... água, areia e pequenos fragmentos de recifes e conchas é tudo quanto se pode encontrar.

Já os manguesais são de vegetação rasteira e exuberante, particularmente quando a maré enche e reflecte o imenso verde sobre a água do rio. Os nativos chamam aos manguesais o pulmão que purifica águas e protege a costa, como se de gigantescas galerias ripícolas se tratassem, sobre uma imensa lama que chega a atingir mais de 2 metros de altura.

Aqui a biodiversidade é surpreendente. Aliás, a própria lama é utilizada para fins terapêuticos, em particular para tratamentos de pele. Não é por acaso que raros são aqueles que resistem a um divertido banho de lama, quando a maré vaza.