quinta-feira, dezembro 01, 2005

Japão - 29 de Outubro a 08 de Novembro 2005

Parti para mais uma viagem... Desta feita com a Fundação de Serralves e destino ao Japão.

Depois de uma curta viagem de Lisboa a Frankfurt, foram pouco mais de 10 horas dali até Tokyo, encaixado num paralelepípedo virtual, com cerca de 70 cm x 50 cm (o meu assento).

Apesar de tudo, a viagem acabou por ser tranquila, muito à custa do meu companheiro do lado, um alemão, extremamente treinado na arte de ficar quieto, sem nunca se levantar (apenas vacilando ao ver-me ir buscar um kit kat à cabina das hospedeiras - ou assistentes de bordo, como gostam de ser chamadas...).

Chegando ao Aeroporto Internacional de Narita, após cerca de hora e meia entre o controlo dos passaportes e a recolha das bagagens, sigo com o grupo para o centro da cidade.

Tinha visto o «Lost in Translation» no cinema... Apesar de habituado a estas andanças, as expectativas estavam de alguma forma condicionadas pelo filme... Mas ao fim dos dois primeiros dias em Tokyo, confesso que absorvi uma cidade diferente das sensações com que fiquei ao ver o filme... Ainda que o título da película seja perfeito!! O Japão é de facto um país perdido na língua... (já lá chegaremos).

Tokyo é um conjunto cidades e urbes, uma reminiscência e mistura de tantas outras experiências e viagens já realizadas...

A cidade está rendilhada por auto-estradas, que ligam os vários (tera)bairros, de forma sobrelevada (ao nível de um 3º andar), fazendo lembrar o modelo americano de Los Angeles.

Os bairros da periferia apresentam um estranho emaranhado de cabos e fios eléctricos, ao mais puro estilo de qualquer favela carioca, embora com edifícios estruturalmente modernos.

Segundo dizem, parece que os danos directos e indirectos dos terramotos, que diariamente abalam a cidade com maior ou menor intensidade, levaram à instalação aérea da cablagem, para uma mais fácil reposição e manutenção. Ainda assim, não fiquei completamente convencido... Não estivesse o Japão nos píncaros do desenvolvimento tecnológico e urbanístico, como de resto confirmei noutros bairros, como o de Ginza.



Ginza é uma autêntica midtown nova-iorquina de cosmética japonesa... Edifícios brilhantes, na vanguarda da arquitectura, revestidos a néons e caracteres japoneses gigantescos, que identificam os espaços e/ou fazem parte de spots publicitários.

Deambulando por este bairro à noite (e também por Shinjuku, onde fiquei instalado), ao som da mais alta-fidelidade dos anúncios às mais badaladas lojas de marca, ou do frenético flipar das centenas de salas de jogos, encontrei uma cidade em busca de vida... para além da monotonia empresarial, dos passos equidistantes de exércitos humanos que percorrem as ruas de Tokyo.

Mas sem dúvida que é em Omotesando que encontramos o expoente máximo da cidade, no que à arquitectura, design e moda diz respeito... Diria mesmo à escala mundial! Qual Madison Avenue, em New York; quais Champs Ellyses parisienses; quais Galerias Victor Emmanuel, em Milão, Regent St. ou Oxford St londrinas!?! Já conheci muitas cidades, por esse mundo fora, mas nada que se assemelhe a Omotesando...

As mais vanguardistas, elegantes e conceituadas lojas de marca, de alta costura e pronto-a-vestir, sucedem-se de esquina em esquina, de edifício em edifício, de vitrina em vitrina, em Omotesando, onde a Fendi faz paredes meias com a Celine, esta com a Loewe, a Dior com a Esquisse, a Tods com um centro comercial de luxo, a Gucci, a Louis Vuitton, a Prada, a Chanel, a Lacoste, a French Connection, a Benetton, a Boss, todas estão ali... numa só rua, em edifícios fantásticos que obrigam qualquer um a perder alguns minutos para olhar para eles!

Tóquio é também uma recordação dos edifícios públicos e jardins europeus, muito à medida de Berlim, por exemplo... Tem museus com ar de Museus, galerias com aspecto de Galerias e jardins à escala de Parques, como atesta o distrito onde se encontram o Museu Nacional ou o Palácio Imperial.

Nikko é um local excepcionalmente bonito do ponto de vista paisagístico. O Outono dotou as árvores de uma coloração avermelhada, tons de terra, tijolo e amarelos torrados, entre o verde ainda remanescente.

A viagem de Tokio a Nikko faz-se em apenas 2 horas e meia de autocarro. A chegada a Nikko exige 15/20 minutos a subir uma montanha de vegetação exuberante, que nos faz perder o fôlego a cada curva, tal é a beleza.

Pouco antes de chegar ao riquíssimo complexo budista e shinduista de Nikko, uma paragem obrigatória nas Cataratas de Keagon. Não têm a imponência das Cataratas de Iguaçú (longe disso...), ou a elegância das Cataratas de Niagara, tão pouco a altura das Cataratas de Yosemite. Contudo são bonitas e enquadram-se perfeitamente na paisagem, valorizando ainda mais aquela serra bucólica.

Os santuários de Nikko são imperdíveis, o motivo da viagem para lá da paisagem... Na verdade, o enquadramento e comunhão com a natureza é fantástico. Os monges sabiam por onde andavam...

Ressaltam as enormes lanternas de pedra, em granito, e os toris gigantes que abençoam quem por eles passa. Curiosa também a fonte, devidamente protegida por uma pequena casa igualmente em granito, onde os crentes lavam as mãos e a boca para se purificarem. Transpondo para a religião católica, seria a água benta. No fundo, os toris e a água purificam a mente e o físico, respectivamente.

Entre as muitas lanternas encontramos uma portuguesa, doada aos monges após a passagem de Fernão Mendes Pinto. Enchi-me de orgulho... Não era por acaso que Portugal tinha o império, onde nunca o sol se punha...

O musgo cobre parte das paredes e muros, mas os santuários permanecem intactos. Para entrarmos na sala de oração temos de respeitar a tradição e deixar os sapatos à porta... o frio invade-nos o corpo a partir dos pés, que pisam o soalho gelado. Alguns minutos ali fezeram-me reflectir: «isto deve ser espantoso na altura das cerimónias, com as centenas de lanternas acesas, monges com trajos laranja, azuis, avermelhados e brancos, cheiro a incenso...».

Kyoto é a antiga cidade imperial. Sem dúvida alguma uma cidade lindíssima! Uma confortável viagem de comboio bala levam-nos a percorrer quase 500km em pouco mais de 2 horas.

Tive a sorte e o privilégio de contemplar o Monte Fuji sem nuvens, a partir da janela do comboio. Lá estava, tal como nas mais belas fotografias, coberto de neve no seu cume (3776 m de altitude), atestando a sua inactividade há quase 300 anos.

A cidade de Kyoto desenvolve-se por camadas, em volta do Palácio Imperial (que tive oportunidade de visitar, numa das 2 vezes que abre por ano). O rio atravessa e divide a cidade em duas grandes metades, conferindo-lhe um glamour envolvente, em particular à noite, quando as casas e maioritariamente os restaurantes se iluminam e vislumbramos de relance os mais tradicionais rituais de refeição, pelo interior das amplas janelas.

O ambiente da cidade é cativante pela aparente calma e tranquilidade que transmite, para quem acaba de chegar de Tokyo.



Kyoto é a cidade dos templos e dos jardins, que de resto coexistem e partilham espaços. Os templos são praticamente despojados de elementos ornamentais e abertos para os jardins, enquanto locais que de meditação (correspondentes aos clautros dos mosteiros ocidentais), extremamente bem cuidados, plenos de áceas (que neste período do ano apresentam uma coloração vermelha incrível), pinus que mais parecem bonsais gigantes, bambus, fontes e cursos de água, fabulosos tapetes de musgo excepcionalmente tratados, onde cada árvore é meticulosamente plantada no local que mais lhe favorece.



Esta riqueza e equilíbrio das espécies só são excepção no igualmente brilhante jardim seco (jardim zen), onde não existem elementos vivos, árvores, plantas ou fungos... apenas pedras e areia... pedras e areia com muito espírito e simbolismo. Os rios, as montanhas, as ilhas, os animais... tudo está lá, no imaginário da contemplação.

De facto fiquei surpreendido de jardim para jardim, pela sua genialidade e originalidade, mas foi um outro local em Kyoto que mais me marcou: Fushimi. Milhares de toris alaranjados, doados pelos crentes budistas e shinduistas, gravados com caracteres e separados por escassos centímetros, sucedem-se e rasgam a serra e a vegetação ao longo de quilómetros.



Na verdade, o simbolismo dos toris de Fushimi não me traz qualquer interesse, por se tratarem de autênticas indulgências (a horrível ideia de obter a protecção divina em troca de uma doação), mas o seu conjunto e harmonia no espaço fascinam-me. É simplesmente único... não mais voltei a ver algo semelhante nesta viagem pelo Japão.

Kyoto é também conhecido pelo famoso «bairro das geishas». Enganem-se os que pensam poder cruzar-se a qualquer momento com as elegantes geishas, primorosamente pintadas e arranjadas com o quimono, que lhes caracteriza, uma vez que passam a maior parte do tempo em casa, inteiramente fiéis e dedicadas aos seus homens. O Japão numa das mais puras e seculares tradições...

3 Comments:

At segunda-feira, 05 dezembro, 2005, Blogger Filipe Arouca said...

Um cínico véu social...

Encontrei um país escondido no véu dos bons costumes e da tradição...

Na verdade, encontrei um país onde praticamente tudo é uma mera pincelada de honra, incapaz de esconder um mundo mais real.

O Japão é o país onde os revisores do comboio saúdam os passageiros ao entrar nas carruagens, entre vénias e pedidos de licença; onde se executam e se seguem rigorosos rituais à refeição; onde existe uma cerimónia para o chá; e se recusa gratificações pela prestação de serviços (restaurantes, taxis, hotéis...); entre outras manifestações de honra e educação levadas ao extremo.

No entanto, o Japão mais profundo e vivido está por detrás deste véu...

Após mais um dia de visita a jardins e templos em Kyoto, fizémos uma paragem num centro de artesanato da cidade, onde o grupo teve tempo livre. Aproveitei a ocasião para ir almoçar junto ao rio (num local bem agradável por sinal) e da parte da tarde seguimos o programa delineado.

Pelo final do dia, ao chegar ao hotel, tinha um envelope no meu quarto do tal centro de artesanato... imagine-se, com dinheiro. Comissões por ali ter parado com o grupo. E pensei para mim mesmo: «Quem diria?! Que contra-senso...».

Trouxe o envelope, com 200 e poucos euros, e deixei-o a um mendigo de Tokyo. É verdade! A cidade exponencial da tecnologia, do sentido civilizacional, da organização e do desenvolvimento, está disfarçadamente cheia de mendigos, que ao cair da noite se abrigam em cartões rasgados, no vão dos prédios mais obscuros e sem seguranças, na sombra do «outro mundo»...

 
At segunda-feira, 05 dezembro, 2005, Blogger Filipe Arouca said...

Lost in Translation...

O meu computador foi feito com a mais alta tecnologia japonesa, assim como a minha televisão, máquina fotográfica e de filmar... provavelmente o meu ipod também o foi. Todos aqueles edifícios super modernos, revestidos dos mais inovadores e sofisticados painéis publicitários, aparelhagens de alta fidelidade (...). Um país muito à frente!

É quase uma raridade encontrar quem saiba dizer algo mais do que um «thank you» ou «please»... Comunicar numa metrópole com mais de dez milhões de habitantes, que não falam qualquer outra língua que não o japonês, é uma tarefa deveras complicada.

O metro é uma aventura, já que a maioria das estações estão identificadas por caracteres, o que nos obriga a contar as estações, por forma a não falhar a saída...

Almoçar ou jantar num restaurante, também não é uma tarefa fácil, uma vez que as ementas são escritas na língua mãe. E claro está... os empregados não falam inglês. Há que espreitar as outras mesas, apontar para os pratos e esperar que tenham entendido...

Mas mais impressionante é encontrar apenas 2 ou 3 pessoas que falam inglês (por sinal, quase sempre bagageiros) num hotel que aloja algumas centenas de turistas... Um verdadeiro exercício de mímica e linguagem gestual.

Após tantas viagens... Talvez o primeiro país onde me senti «lost in translation». Não é que o filme até faz toda a justiça?!

 
At quarta-feira, 07 dezembro, 2005, Blogger Filipe Arouca said...

O que um okini é capaz...

A barreira linguística é sem dúvida inibidora de um contacto mais próximo com a população local. No Japão esse obstáculo é uma evidência...

De tal forma que o treinador de futebol da selecção nacional japonesa, Zico (brasileiro), ao fim de alguns anos naquele país, continuava sem dizer uma única palavra em japonês. Recentemente fez uma declaração, terminando com um simples «arigato» (obrigado). No dia seguinte foi notícia no jornal.

A verdade é que, se um «arigato» é muito útil em qualquer circunstância... um «okini» em Kyoto (obrigado, em dialecto regional) descompõe positivamente qualquer japonês e... caímos nas suas graças.

É delicioso observar a expressão de felicidade daquela gente, após um simples «okini» de um ocidental.

 

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